Todos nós temos o nosso próprio paraíso*

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Histórias de Vida II



Às vezes pensamos que as pessoas da terceira idade não têm mais nada que fazer do que falar da vida dos outros. Porém, às vezes é totalmente mentira, porque nem todas são assim. Há quem precise simplesmente de alguém com quem falar. Por vezes, sabe muito melhor falar com um desconhecido do que com alguém com quem falamos diariamente. Foi essa a minha experiência num destes dias. Estava na paragem de autocarro e uma senhora de idade aproximou-se de mim. Por muito estúpido que isto possa parecer, por vezes as grandes conversas surgem quando começamos a falar do tempo. A nossa começou com uma simples exclamação da parte da senhora: "Hoje está muito frio!". Educadamente sorri para a senhora e disse-lhe que sim, que realmente estava frio. O autocarro estava bastante demorado e a senhora começou a falar e a falar. Dei por mim a ter atenção à conversa e a deixar-me envolver nela. A senhora, cujo nome não perguntei, lembrou-se como era a sua vida no tempo da Ditadura de Salazar e das perseguições da PIDE. Como é que a conversa do tempo passou para a parte de Salazar? Pois muito bem, a senhora contou-me que antigamente a qualidade dos sapatos não era a melhor, e a água da chuva passava facilmente para dentro, o que deixava os pés encharcados, e por isso resolveu que mais valia andar descalça. O grande problmea é que isso dava direito a multa. No momento reflecti sobre o assunto. O quanto eram estúpidas algumas coisas, nomeadamente uma conversa de três ou mais pessoas na rua já era motivo de desconfiança para a PIDE.
O autocarro chegou e eu pensei que a conversa tivesse ficado por ali, mas pelos vistos não. A senhora chamou-me lá do fundo e eu lá fui para ao pé dela. Durante a viagem até ao destino, a senhora relatou-me vários acontecimentos da sua vida. De uma forma muito generalizada, o seu falecido marido por sorte não foi convocado para ir para a guerra em Angola, a senhora trabalhava numa fábrica de lâmpadas e como ela disse: "Todas as lâmpadas da Feira Popular passaram pelas minhas mãos". Mas o mais engraçado da nossa conversa foi a descoberta de alguns factores históricos da cidade de Lisboa. Havia um muro que terminava na zona da Calçada da Carriche, que cercava a cidade de Lisboa contra ataques terrestres ou marítimos, sendo que as zonas de Odivelas e Póvoa de Santo Adrião eram desertas. Além disso, havia um forte na zona de Sacavém com uma torre de vigia no cimo do monte. O interessante disto tudo é que passo por lá tanta vez e nunca tinha reparado em nada disto. Senti-me uma ignorante dentro da minha própria cidade. Isto sim são histórias de vida. Histórias de coragem, de medo e de luta pela sobrevivência. Testemunhas de tempos difíceis. Sobreviventes de discordâncias políticas que mudaram vidas e vidas. Por isso, eu gostei muito deste relato de uma senhora a quem a vida nem sempre sorriu. Foi como se a própria história tivesse ganho mais sentido. E estas são as minhas histórias favoritas, as que me fazem pensar e que me ensinam alguma coisa! E vocês, quais são as vossas favoritas?

1 comentário:

Digam qualquer coisa:)